Além do risco significativo de causar incêndios graves, as bitucas de cigarro são um dos resíduos mais comuns e possuem um impacto ambiental negativo, necessitando sempre de um descarte adequado. Lamentavelmente, é comum ver fumantes descartando suas bitucas no chão, muitas vezes ainda acesas, sem qualquer constrangimento. Estima-se que, dos 5,5 trilhões de cigarros produzidos anualmente no mundo, cerca de 4,5 trilhões de bitucas sejam descartadas de maneira inadequada.
Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com apoio do Instituto para o Controle Global do Tabaco (IGTC) da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, Instituto Nacional do Câncer (INCA) e da ACT Promoção de Saúde, investigou o impacto ambiental desse descarte impróprio. Para se ter uma noção, as bitucas de cigarro, que são compostas por uma pequena porção do cigarro não queimada e plástico não-biodegradável, contêm milhares de substâncias potencialmente tóxicas, incluindo metais, hidrocarbonetos, compostos nitrogenados, aminas aromáticas, entre outros.
No estudo, mais de 4,3 mil bitucas foram coletadas em vias públicas entre março e abril de 2023. Os pesquisadores realizaram experimentos para calcular a taxa de poluição utilizando o Índice de Poluição das Bitucas de Cigarro (CBPI), que classifica a poluição em seis níveis, variando de muito baixa a severa. Mesmo levando em conta fatores ambientais, como o tipo de solo e a precipitação anual, os contaminantes liberados pelas bitucas de cigarro geraram um nível de poluição ambiental considerado severo, com estimativas alarmantes de vazamento de substâncias tóxicas.
“Além de tudo o que sabemos sobre os efeitos tóxicos do uso do tabaco entre os seres humanos e os impactos ambientais da cadeia produtiva do tabaco, como a degradação do solo e o desmatamento, este estudo demonstra que a poluição do cigarro ocorre também em uma taxa severa depois que os produtos são consumidos e descartados indevidamente”, diz Graziele Grilo, Coordenadora Sênior do Programa de Pesquisa e Líder Regional para a América Latina do IGTC.
Segundo o IGTC, esses achados reforçam a importância de proibir o uso de filtros nos cigarros, o que reduziria não só o impacto ambiental das bitucas (já que os filtros não são biodegradáveis), mas também combateria as falsas alegações de menor risco que a indústria do tabaco vem utilizando há décadas.
Graziele ainda reforça que já se dispõem de pesquisas que mostram que os filtros não trazem benefícios à saúde dos fumantes, e seu uso pelas empresas, juntamente com as alegações enganosas, realmente torna o produto ainda mais atrativo para os jovens – esse efeito só beneficia os interesses da indústria do tabaco. Os resultados do estudo sobre o impacto ambiental dos filtros podem apoiar iniciativas existentes para proibi-los através de políticas voltadas à redução da poluição plástica.
Embora a identificação de marcas não seja comum em monitoramentos desse tipo, este estudo fez uma consideração especial ao identificar as marcas de cigarro através dos logotipos ou nomes presentes em mais de 80% das bitucas coletadas. Dessas, mais de 57% foram identificadas como provenientes de duas empresas.
A identificação das marcas também permitiu estimar a legalidade dos produtos encontrados, com base na lista de marcas aprovadas pela Anvisa. Os resultados mostraram semelhanças na presença de bitucas ilícitas entre as áreas estudadas em Guarujá e na cidade vizinha de Santos, com base em estimativas anteriores.
“Embora a existência de marcas e logotipos nas bitucas de cigarro represente valor de marketing pós-consumo para as empresas de tabaco, o fato de termos conseguido identificar as marcas nas bitucas dos cigarros descartados neste estudo também é um passo essencial para responsabilizar as empresas. Isso é especialmente importante para embasar ações que busquem indenização das empresas pelos danos à saúde”, comenta Mariana Pinho, Coordenadora de Projetos do Projeto Tabaco da ACT Promoção de Saúde.
“Dessa forma, também poderíamos considerar a adoção de mecanismos de compensação ambiental pelas autoridades competentes para reparar os impactos causados pelas bitucas de cigarro, tais como a criação de um fundo de proteção ambiental, taxas de impacto ambiental, entre outros”, acrescenta.